Esta exposição apresenta os anos de formação do pintor Silva Porto, nascido a 11 novembro de 1850, na cidade do Porto.
António Carvalho da Silva Porto faz um percurso de aprendizagem longo e exemplar. Depois do ensino primário entra, aos 12 anos, para a Escola Industrial do Porto. O curso era composto por dois graus. O primeiro, elementar, para os Cursos de Operário Habilitado ou de Oficial Mecânico, a que se acrescentam Oficial Químico; Oficial Forjador; Oficial Fundidor; Oficial Serralheiro Ajustador; Oficial Torneiro Modelador; Mestre Mecânico. Já o segundo Grau destinava-se a Oficial Químico, quase sem funcionar.
O grau elementar da Escola Industrial (convertida em Instituto Industrial do Porto em 1864) era formado pelas duas primeiras cadeiras, nomeadamente, “Arithmetica Elementar - Primeiras Noções de Álgebra - Geometria Elementar” (Prof. João Vieira Pinto), e “Desenho Linear e de Ornatos Industriaes” lecionada por António José de Sousa Azevedo.
Mas o professor mais marcante da Escola Industrial era Gustavo Adolpho Gonçalves e Sousa, diretor da Escola, e lente das 3.ª e 5.ª cadeiras, respetivamente "Elementos de Geometria Descriptiva, Applicada às Artes," e "Desenho de Modelos e Machinas, Primeira Parte”, no segundo ano. Este professor é um arquitecto e engenheiro notável, um dos arquitetos do Palácio da Bolsa, nomeadamente da escadaria e Salão Árabe, para além de muitas outras obras públicas de estradas e ferrovias.
São deste período, 1863/6, os desenhos de fortificações e de peças mecânicas (desenhos #01 a #03).
Silva Porto entra na Academia Portuense de Belas Artes em outubro de 1865, com quase 15 anos, ao mesmo tempo que termina o 2.º ano do Instituto Industrial (eram as escolas no mesmo edifício) (desenho #04).
As disciplinas da Academia funcionavam como cursos separados, entrelaçados por precedências com base no Desenho. O acesso ao curso de Pintura Histórica implicava a aprovação no curso de Desenho Histórico (de cinco anos) ou submeter-se a provas; o acesso ao 1.º ano de Escultura obrigava a aprovação no 2.º ano de Desenho; o acesso ao 3.º ano de Arquitetura Civil implicava aprovação no 1.º ano de Desenho.
Assim Silva Porto frequenta Desenho Histórico, em 1865/6 (Prof. Thadeu Maria de Almeida Furtado), sendo o assunto do primeiro e segundo anos a cópia de estampas, usando primeiro apenas contorno (desenhos #05 e #06) e só mais tarde o sombreamento (desenhos #07 a #08). No terceiro ano são feitas “figuras de vulto”, também por cópia (desenhos #09 a #10), o desenho de estátua era reservado ao quarto ano (desenho #11 e #12), e no quinto ano o modelo vivo (era só permitido o modelo masculino).
Silva Porto começa a frequentar o curso de “Arquitectura Civil” e de “Perspectiva” em 1866/67 (desenhos #13 a #22) e o curso de “Escultura” em 1867/68. Após concluir o curso de Desenho Histórico, de 5 anos (em que é distinguido com prémio pecuniário), é que pode começar a frequentar o cuso de Pintura Histórica (nos temas de “Perspetivas e Ótica” e “Anatomia”) (desenhos #23 e #24), em 1870/71, completando os três anos. Os professores eram João António Correia e Francisco José Resende.
Em 1871 concluiu os cursos de Escultura e de Arquitetura, com 18 valores no primeiro e 20 valores no segundo. Finalmente, aos 22 anos, o curso de Pintura é concluído, em 1873, com 19 valores (desenhos #25 a #30).
Segue-se, no mesmo ano de 1873, a bolsa de 5 anos em Paris como pensionista do Estado (desenho #31). Passará pelos ateliers habituais de preparação para o exame de admissão à Escola de Belas Artes.
Em Paris, na Escola de Belas Artes, frequenta as aulas de Adolphe Yvon (1817-1893), de desenho em perspetiva e de modelos em gesso (desenhos #32 a #42), e de Alexandre Cabanel (1823-1889), de modelo vivo (desenhos #47 a #50).
Cabanel recomenda a Silva Porto aulas de paisagem com o paisagista Marcelin Groiseilliez (1837-1879) que fora discípulo de Corot (1796-1875). No vale do Oise conhece e acompanha Daubigny, e o seu círculo, que toma como mestre. Integra-se entre os artistas ar-livristas e militantes, os que procuravam uma nova escola, feita das verdades da natureza e do povo, nos arredores, no vale do rio Oise e na floresta de Barbizon (desenho #51 a #53). A 50km de Paris, Barbizon era o “vale dos pintores”, preservado como reserva natural por influência de Théodore Rousseau (1812-1867).
Demora-se sobretudo no vale do rio Oise, a noroeste de Paris, para onde se mudara Daubigny, com a sua casa e o seu conhecido barco-atelier (desenhos #54 a #57). Ali cruza-se com Pissarro (1830-1903) e Cézanne (1839-1906).
Em 1876 Silva Porto é admitido no Salon, com o quadro “Margens do Oise, em Auvers (Seine-et-Oise)” (Museu Nacional Soares dos Reis) do qual o desenho #55 é um estudo. O Salon era muito disputado: nesse ano concorreram 10.000 artistas, entre pintores, escultores e arquitetos, para serem admitidos um pouco mais de 4.000. O número de visitantes do Salon desse mesmo ano é de 520.000, reconhecendo-se a importância da instituição.
A partir de Paris, em 1877, Silva Porto com o companheiro Marques de Oliveira fazem uma visita de estudo a Itália. São pontos deste itinerário Florença, Veneza, Roma, Nápoles, Capri (onde permanece em abril, maio e junho), e regressando por Milão, Lago de Como, até Paris, nos fins desse ano (desenhos #58 a #60). O jovem pintor Henrique Pousão segue-lhe o percurso em Paris em 1880, e Silva Porto recomenda a este algumas estalagens e modelos em Roma, Nápoles e Capri, que este aproveitará, entre 1881 e 83.
Encerra-se aqui a formação de Silva Porto, que deu o tema a esta exposição.
Após a sua formação Silva Porto irá lecionar na Academia de Lisboa. Como professor, cedo marca a revolução, trazendo os alunos para o campo, para pintar do natural. Na XII Exposição da Sociedade Promotora, em 1880, Silva Porto vai expor 29 óleos, uma presença inédita pelo seu número e qualidade. Esta intensidade de trabalho manter-se-á, exposição após exposição, até ao final da sua vida.
Constitui-se “O Grupo do Leão,” como o descreve a imprensa, a partir do nome do café restaurante junto ao Rossio. Em 1881 abre a primeira exposição deste grupo, na Sociedade de Geografia. Expõe Silva Porto com António Ramalho (1859-1916), João Vaz (1859-1931), José Malhoa (1855-1933), Henrique Pinto (1852-1912), entre outros. O sucesso é cimentado pela visita de D. Fernando que adquire alguns quadros.
Em 1882, na segunda exposição do Grupo do Leão integra-se Columbano (1857-1929). Sucedem-se mais exposições a um ritmo anual.
Em 1890, Silva Porto funda uma nova associação, o “Grémio Artístico” com cerca de 40 associados fundadores. Após a morte de Silva Porto, no leilão do seu espólio artístico, em dezembro de 1893, o seu Grémio Artístico adquire um conjunto de 400 desenhos. E da fusão entre o Grémio e a Sociedade Promotora resultou, em 1901, a atual SNBA, que conserva hoje estes trabalhos na sua coleção.
São testemunhos imprescindíveis para conhecer o seu percurso e pensamento que coincide com a introdução da arte moderna em Portugal.
Curador - João Paulo Queiroz
Referências
Aldemira, Varela (1954) Silva Porto. Lisboa: Realizações Artis.
Beirão, Sara (2017) Os desenhos de Silva Porto no acervo artístico da SNBA : estudo e inventário científico. Tese de Mestrado em Museologia e Museografia. Universidade de Lisboa, Faculdade de Belas Artes. URL: http://hdl.handle.net/10451/30782
Silva, Maria Raquel Henriques da (Org.) (1993). Silva Porto, 1850-1893: Exposição comemorativa do centenário da sua morte, 96-113. Lisboa, Portugal: Instituto Português de Museus (catálogo de exposição)
Queiroz, João Paulo (Org.) (2020) Os 500 desenhos de Silva Porto na Coleção SNBA. Lisboa, Sociedade Nacional de Belas Artes. ISBN 978-989-99822-3-9